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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

VISCONDE DE TAUNAY


VISCONDE DE TAUNAY

Por Aires Humberto Freitas
 
Já que tocamos no nome, vamos falar dele, Visconde de Taunay. Durante sua viagem em expedição do Rio de Janeiro ao Coxim, fazendo parte da coluna militar que travou combate na também chamada Guerra da Tríplice Aliança, mesmo num momento difícil contra o Paraguai, conseguiu reunir um documentário altamente vivo.
Em marcha, permeou por treze dias no território da Vila das Dores do Rio Verde, onde fez um precioso levantamento histórico do lugar e narrativas em forma de diário que encontramos publicado na sua consagrada obra “Marcha das Forças” – 1865/1866:
“No dia 29 de setembro de 1865, achando-se terminada a passagem da força, das repartições anexas, bagagem e mantimentos do fornecedor, ficou marcado o dia 30 para se começar a marcha em demanda da vila das Abóboras no caminho do Coxim, reunindo-se na realidade o quartel general neste dia de manhã, á brigada que se achava acampada a 1 ½  légua do rio Paranaíba, junto ao ribeirão do Bálsamo”. -  (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 86). 
“Dia 23 de outubro de 1865 – Às 6 horas da manhã deixou-se o pouso da margem direita do rio dos Bois, no qual iam acampando as forças à medida de sua passagem e, na direção O., caminhou-se por ½ légua, passando a N. O., sempre entre cerrados cortados por campos secos, onde aparece o capim gordura, prova da esterilidade do terreno.
Às 9 horas, acampou-se junto ao ribeiro do Castelo, depois de completadas duas léguas em bons caminhos de leito, ora argiloso, ora pedregoso, pouco escavado, reduzido as vezes á simples vereda. O nome do ribeirão provém de altanado morro, cuja configuração algum tanto se aproxima a de um castelo, e é claramente devida à ação das águas, quando cobriram toda esta zona mais baixa.
Começamos a observar muitos desses efeitos curiosos, originados sem dúvida de algum dilúvio geológico, o que fica patenteado com toda evidência e clareza pela serra da Cabeleira, que destaca de si este primeiro e solitário alcantil.
O ribeirão do Castelo corre para o rio dos Bois entre margens cobertas e proximamente paralelas à estrada. Numa delas uns soldados mataram a cacetadas uma sucuri de quase seis metros de comprimento e 1,32 m de grossura a qual tinha no estômago um veado mateiro em estado de completa putrefação. Quando os soldados a estriparam levantou-se um fétido tal que nos obrigou a mudar de acampamento.
A serpente se achava no entorpecimento da digestão, fugindo nessa mesma ocasião outra companheira ainda de maiores dimensões”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 100/101).   
“Dia 24 de outubro de 1865 – A força não marchou á espera de que o fornecedor reunisse os carros de gêneros que se haviam atrasado.
Partiu para a frente parte da comissão de engenheiros, afim de ir esperar a brigada na vila das Dores do Rio Verde (Abóboras), facilitando-lhe a marcha por meio de concertos provisórios nos pontos da estrada e pontes que obstassem o livre trânsito”. 
“Dia 25 de outubro de 1865 – Às 6 horas e 50 minutos da manhã deixou-se o ribeirão do Castelo. A 1 hora e 15 minutos acampou a força, depois de 4 ½ léguas de marcha, junto ao córrego do Baú, que fornece boa aguada”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 102/104).   
“Dia 26 de outubro de 1865 – Marchou a força do córrego do Baú às 6 horas da manhã, continuou a marcha até a fazenda do Bebedouro, pequena palhoça com algumas dependências que constituem, como daí por diante, o que se intitula uma fazenda. Na verdade não é de estranhar a posse de 1500 a 2000 cabeças de gado, a fazendeiros que só tenham um ou dois escravos. Aí se acampou ás 9 horas e 40 minutos, perto do córrego do nome da fazenda a que acrescentam o do seu possuidor – o córrego do Bebedouro do Claudino”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 104).   
“Dia 27 de outubro de 1865 – Transpôs-se o córrego acima mencionado às 8 horas e 12 minutos. Acampou-se às 9 horas e 30 minutos, entre os dois córregos da Serrinha e do Mutum, tributários do ribeirão Cabeleira, que passa próximo e dá o nome a fazenda assente à margem direita do córrego da Serrinha”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 104/105).    
“Dia 28 de outubro de 1865 – Houve falha á espera de que chegassem os carros de fornecimento. As dificuldades para prover o sustento das praças começam a surgir imensas, os poucos recursos que oferecem os lugares deste sertão e ainda mais a falta de colheita devida á seca do ano, obrigam diminuir a ração diária. A farinha de mandioca falta de todo, pouco usada em todo o interior do Brasil, preferem-lhe em geral a de milho, entretanto em Mato Grosso os índios fazem muita farinha da mandioca mansa ou aipim, a de milho mal chega para a substituir, o arroz e o feijão já não são dados em tão abundantes porções. O gado, porém, continua a afluir e por todos os pontos é encontrado com suma facilidade.
As mais enérgicas providências tinham sido tomadas anteriormente na margem esquerda do rio dos Bois, oficiando, então, o ex-comandante aos presidentes das províncias de Minas e Goiás e enviando oficiais de confiança á procura de gêneros nas fazendas de maior importância, ou até a vila das Abóboras e o ponto dos Baús, que era depósito de viveres organizado e posto á disposição da força em Goiás. Continuam a ser expedidas ordens e indicações no mesmo sentido, trabalhando-se com toda a atividade para a aquisição dos alimentos que mais falta parecem fazer aos soldados. A carência de gêneros nas fazendolas do caminho é quase total, e naturalmente há carestia exorbitante nas mais insignificantes compras”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 105/106). 
“Dia 29 de outubro de 1865 – Às 5 horas e 45 minutos, deixou a força o pouso dos Dois Córregos e atravessou, às 6 horas e 35 minutos, o ribeirão da Cabeleira, que tem margens altas e um pontilhão de rachões em bom estado, de 11 metros de comprimento e 2,64 m de largura. Às 7 horas e 30 minutos transpôs o córrego da Boa Esperança que corre para N. e vai ter ao Cabeleira. O caminho desde aí oscila de O. para N.O., encontrando-se a ½ légua o córrego da Forquilha e a légua deste o da Boa Vista com fazenda próxima, mais além se passou o ribeirão do Gato e às 10 horas acampava-se à margem esquerda do Cabeleira, que tinha sido margeado desde o córrego da Serrinha. Dá este ribeirão muitas voltas, acompanhado sempre pela estrada”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 106).     
“Dia 30 de outubro de 1865 – Seguiu-se às 5 horas e 30 minutos a rumo N.O. até a fazenda das Goiabeiras, que se acha a ½ légua para lá do córrego da Divisa e a uma do pouso. No córrego das Goiabeiras há um pontilhão de rachões em bom estado, de 6,60 m de comprimento e 3,52 m de largura, atirado sobre margens altas e cobertas de matos. Duas léguas além, caminhando na direção N.O., acampou-se junto ao ribeirão de S. Tomás, que corre próximo à importante fazenda do mesmo nome, pertencente ao antigo e abastado fazendeiro Mendonça. O ribeirão nasce a quatro léguas acima da estrada e vai para S. desaguar no Rio Verde, a 11 léguas abaixo da mesma. Tem largura de 9,90 m, profundidade de 2,64 m e velocidade de 0,66 m por segundo. Existe sobre ela um pontilhão de rachões de 17,60 m de comprimento e 3,30 m de largura”. -  (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 107).     
“Dia 31 de outubro de 1865 – A força deixou o ribeirão de S. Tomás às 5 horas e 47 minutos da manhã e, passando a ¼ de légua o córrego do Atoleiro, o da Cachoeirinha a 22 ms. além, e o Toledo a mais de ¼ de légua, chegou à fazenda do Cândido com pouco mais de três léguas e, daí a ¼ de légua, à vila das Dores do Rio Verde, onde acampou junto a bonito córrego que serpeia na base da encosta em que se acha aquela povoação popularmente denominada das Abóboras.
A capela de Nossa Senhora das Dores do Rio Verde foi elevada à categoria de paróquia em virtude da lei de 5 de agosto de 1848, dando-se-lhe os limites seguintes, que transcrevemos por serem documento importante das fronteiras de Goiás ainda litigiosas:  “Servirá de limites à nova freguesia o Rio Verde além do Turvo, desde as suas primeiras vertentes até a sua foz no Rio dos Bois, e por este abaixo até confluir no Paranaíba, e por este abaixo até a sua confluência no Rio Pardo, e por este acima até as suas primeiras vertentes no Espigão Mestre e daí por uma linha reta até as primeiras vertentes do Rio Grande, cabeceira do Araguaia que serve de divisa com a província de Mato Grosso”. Deste trecho citado por aqueles mesmos que são contrários às pretensões de Goiás, se infere que a vila de Santana do Paranaíba pertence a esta província.
Em Dores do Rio Verde descansou a força alguns dias, partindo no dia 4 de novembro em direção ao depósito dos Baús.
A estrada percorrida desde Santa Rita do Paranaíba até a vila das Dores não tem traçado regular: picada aberta pela necessidade de comunicação reciproca entre os habitantes de algumas fazendas, oferece estado mais ou menos viável pela natureza dos terrenos e pelo trânsito regular que se tem ido estabelecendo entre aqueles dois pontos.
Durante a pouca demora das forças junto à vila deu-se o lamentável acontecimento do assassinato do capitão do corpo de voluntários policiais Alexandre Magno de Jesus, por um forriel do seu batalhão. Às 2 horas da madrugada do dia 1º de novembro perpetrou-se o crime, sendo o corpo do oficial sepultado com todas as honras inerentes ao seu posto às 5 horas da tarde, sob o alpendre de palha que serve de modesto pórtico à capela consagrada à Nossa Senhora das Dores do Rio Verde.
O criminoso acompanhou as forças, algemado e na guarda da frente, desde aí até Nioac. Condenado ao fuzil, apelou para o Poder Moderador. Por ocasião da debandada da força postada em Nioac, conseguiu evadir-se em princípios de junho de 1867”.
No tocante a esse assunto, tomo a iniciativa de transcrever neste espaço o que relatou o Correio Official de Goyaz, nº 113, de 17 de janeiro de 1866: “Ao coronel comandante das forças expedicionárias de Minas e São Paulo. Comunico a V.S. em resposta ao seu ofício de 21 do mês findo que nesta data remeti ao juiz de ofícios do termo desta capital, para providenciar como lhe compete, a cópia do inventário a que V.S. mandou proceder no espólio do finado capitão do corpo policial de Minas Alexandre Magno de Jesus, e bem assim a relação dos bens particulares pertencentes ao dito capitão os quais foram entregues ao presidente da câmara do Rio Verde”.
Continuando com Visconde de Taunay: “A capela de Nossa Senhora das Dores ergue-se num alto que domina o povoado, cuja rua única é formada de palhoças, essas mesmas espaçadas e muitas já em ruinas.
Goza, contudo, dos foros de vila, não correspondentes de certo com o estado que apresenta. A freguesia, porém, é bastante vasta: alguns fazendeiros de recursos habitam em sua área, e o caminho que a atravessa é hoje assaz animado pelo movimento das grandes boiadas que vão ter a Uberaba, dirigindo-se para o Rio de Janeiro.
Como todos estes pontos do interior podem um dia ter importância, julgou a comissão de interesse o levantamento da planta da vila das Abóboras nos seus simples princípios. Foi um dos anexos que acompanharam esta parte do relatório. Julgamos curiosa a transcrição do seguinte trecho de um jornal de Goiás em fins de 1874 que mostra quais as esperanças daquela localidade: “Desmembramento da antiga comarca da capital, a comarca do Rio Verde foi criada por lei provincial de 1872: já nela teve exercício o finado Dr. Elias José Pedrosa Filho na qualidade de juiz de direito, e atualmente acha-se em exercício daquele cargo o Dr. Xavier de Toledo, há pouco ali chegado.
A população do município, segundo o recenseamento, é determinada em sete mil almas; compõe-se em quase sua totalidade de fazendeiros que se dedicam à indústria pastoril, a qual leva vantagem sobre a indústria agrícola que é bastante acanhada; ao passo que a primeira é de grande interesse, não só pela qualidade dos campos, como ainda pela raça do gado, que é a melhor que se conhece na província. Acresce ainda que o produtor não se vê na contingência de levar os gêneros aos mercados consumidores, pois que, na estação seca, há concorrência em grande escala de compradores de gados da província de Minas, chegando o preço a elevar-se bastante, 35$000 no mínimo e 48$000 no máximo. Ora, sendo a venda até esta data calculada em 7.000 e tantas rezes, tem produzido um resultado de 280 a 300 contos de réis.
Reconhecida como precária a indústria pastoril, é muito o resultado oferecendo aos sertões do Rio Verde; e pôde um tal resultado rivalizar o ordinário daqueles municípios da província de S. Paulo, onde é nascente a cultura do café.
Se atendermos ainda à situação do Rio Verde, ver-se-á que um futuro não remoto lhe sorri. Com efeito dista esta vila do porto do Rio Grande, no lugar em que o rio divide a província de Minas com a de S. Paulo, 80 léguas de bom caminho, e da primeira povoação daquela província (Araraquara) 110 léguas.
Sabe-se que o poder legislativo tem votado a verba anual de 5:000$000 para a construção de uma estrada de ferro até Santana do Paranaíba, na província de Mato Grosso, e esse trabalho já é uma realidade entre nós, porque a exploração já deve a esta hora aproximar-se ao ponto extremo. Uma vez construída a linha férrea, temos esse meio de locomoção a 30 léguas, mais ou menos, desta vila (caminho reto).
Notamos a falta de transações desta vila com a província de S. Paulo, que a nosso ver oferece gêneros mais baratos do que a província de Minas; o sal e o café são vendidos em Uberaba por preço alto, gêneros esses comprados em grande parte em Araraquara de S. Paulo, e, entretanto, a diferença é de 30 léguas e o preço metade ou menos daquilo que custa em Uberaba.
Quanto às rendas do município, podemos elevá-la no médio a 10:000$000 anuais, pois só o porto de S. Jerônimo produziu pela exportação havida 8:000$000 pelo menos, atendendo-se ao imposto de barreira itinerária, que é de mil e tanto por cada boi, e dois mil e tanto por cada vaca”.
A nossa expedição ofereceu poucos recursos às forças, não só pela má colheita que se tinha seguido à seca extraordinária do ano, como pela chegada inesperada de grande porção de gente em suas vizinhanças. Tomaram-se, entretanto, as providências precisas para fazer seguir todos os mantimentos possíveis para o Coxim, ponto marcado para nosso acampamento em Mato Grosso, durante a estação das águas”. -  (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 107 a 111).     
“Dia 4 de novembro de 1865 – Pôs-se a força em movimento saindo às 7 horas da manhã e, ao rumo O.S.O., caminhou ¼ de légua, passando a O. por uma légua, na qual encontrou o ribeirão das Abóboras, que banha as dependências de uma fazenda, sita a uma légua da vila. Tem de largura 7,04 m sobre 1,10 m de profundidade e velocidade de 1,21 m por segundo, a qual era aumentada pela muita chuva da noite. Corre para S.S.O. a fazer junção com o Cachoeirinha, indo atirar-se no ribeirão de S. Tomás.
Continuou a marcha por campos monótonos, com inclinações variáveis de subidas e descidas, e em estrada de leito mais ou menos argiloso de 2,64 m de largura média. Mudou-se a direção de O. para a de N.O. até a margem esquerda do Aterradinho, a 2 ½ léguas do nosso ponto de partida e a 1 ½ do ribeirão das Abóboras. Dirige-se esta corrente com velocidade de 0,55 m por segundo para S., entre margens elevadas e coroadas de matos, sobre álveo pedregoso, com largura de 11 metros de profundidade, indo findar no S. Tomás, a quatro léguas abaixo da estrada.
Daí, sempre ao rumo N. por 2 ½ léguas, foi a força acampar na confluência do córrego da Água Vermelha com o ribeirão Verde às 2 horas e 50 minutos, completando 4 ½ léguas de marcha, das quais o último quarto foi em terreno todo arenoso, onde parecem crescer de preferência, atingindo proporções elevadas, as mangabeiras, tão comuns nesta zona”. - (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 111, 112). 
“Dia 5 de novembro de 1865 – Às 6 horas da manhã deixou a força o pouso. O córrego do Rancho Queimado, pelo alagamento dos terrenos baixos em que tem o leito, obrigou a força a uma parada, até ser preparado por um engenheiro um importante estivado para a pronta passagem, sobretudo da bagagem pesada.
Marchando mais de ¼ de légua no rumo O.N.O., acampou-se às 11 horas e 30 minutos, com 2 ½ léguas, nas cabeceiras do Rio Verde, no lugar chamado Quebra-Cocão, ao longo de formoso capão, que fornece ao viandante excelente e cristalina água”.  -    (Visconde de Taunay, ob. cit., p. 113). - Pesquisa de Aires Humberto Freitas.

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